Auxílio-Fardamento: Entenda o Direito do Militar a essa Verba Indenizatória

O auxílio-fardamento é uma verba de natureza indenizatória, prevista na legislação militar, com o objetivo de ressarcir os gastos que o militar tem com a aquisição de novo fardamento necessário ao exercício de suas funções. Embora essa previsão legal esteja em vigor desde o ano de 2001, ainda há muitos casos de pagamento incorreto ou parcial, especialmente no contexto de promoções.

Neste artigo, explicamos de forma objetiva e acessível tudo o que você precisa saber sobre esse direito.


O Que é o Auxílio-Fardamento?

O auxílio-fardamento está regulamentado pela Medida Provisória nº 2.215-10/2001, que estabelece o direito ao recebimento de um valor correspondente a um soldo ao militar que:

  • For promovido a novo posto ou graduação;
  • Permanecer por três anos consecutivos no mesmo posto ou graduação.

Importante destacar que esse benefício não integra a remuneração de forma permanente. Ele tem caráter compensatório, sendo pago apenas para custear os gastos com a troca de fardamento decorrente da nova função ou graduação ocupada.


Quem Tem Direito ao Auxílio-Fardamento?

Conforme a Medida Provisória, o auxílio-fardamento é devido aos Sargentos, Suboficiais, Subtenentes e Oficiais das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).

Já os Soldados e Cabos não são contemplados pelo benefício, pois recebem o fardamento diretamente da administração militar, não havendo necessidade de indenização.


Promoção Garante o Recebimento Integral do Benefício?

Sim. A promoção é um dos fatos geradores do auxílio-fardamento no valor integral de um soldo da nova graduação ou posto.

Entretanto, durante anos, as Forças Armadas adotaram uma interpretação restritiva com base no art. 61 do Decreto nº 4.307/2002, segundo a qual o militar promovido não teria direito ao valor integral se tivesse recebido o benefício nos 12 meses anteriores. Nesses casos, era paga apenas a diferença entre o valor anterior e o novo valor correspondente à graduação alcançada.


O Que Diz a Justiça Sobre Essa Restrição?

O Poder Judiciário, ao analisar essa limitação, entendeu que o decreto não pode restringir um direito previsto em norma de hierarquia superior (a Medida Provisória).

Consolidou-se, assim, a seguinte tese:

“O militar promovido tem direito ao recebimento integral do auxílio-fardamento, no valor de um soldo do novo posto ou da nova graduação, mesmo que tenha recebido a mesma vantagem anteriormente dentro do prazo de um ano, sendo ilegal a limitação imposta pelo artigo 61 do Decreto nº 4.307/2002.”

Ou seja, o Judiciário afastou a aplicação da restrição e confirmou que o militar promovido tem direito ao pagamento integral da verba indenizatória, independentemente de ter recebido valor semelhante no último ano.


Não Recebi o Auxílio-Fardamento Integral Após a Promoção. O Que Fazer?

Se você foi promovido e não recebeu o valor total correspondente ao novo soldo, é possível buscar a diferença não paga, desde que observados os prazos legais.

Passos recomendados:

  1. Reúna os documentos necessários, como:
    • Ato de promoção;
    • Comprovante de pagamento do auxílio-fardamento;
    • Tabela de soldos ou comprovante do valor da nova graduação.
  2. Busque orientação jurídica especializada, preferencialmente com advogado que atue na área de direito militar.
  3. Caso o pedido administrativo não seja atendido, ingresse com ação judicial para garantir o recebimento da diferença, com correção monetária e juros legais.

Qual o Prazo para Requerer o Auxílio-Fardamento Não Pago?

O prazo para requerer judicialmente valores não recebidos a título de auxílio-fardamento é, regra geral, de cinco anos, conforme previsão da legislação civil e entendimento consolidado da jurisprudência.

Esse prazo é contado a partir da data em que o pagamento deveria ter ocorrido, ou seja:

  • No momento da promoção;
  • Ou ao completar três anos na mesma graduação/posto.

No entanto, há situações excepcionais, em que o militar só toma ciência do direito ou do valor indevidamente pago após seu desligamento da ativa (por exemplo, ao passar para a reserva).

Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Turma Nacional de Uniformização (TNU) já reconheceram que o prazo prescricional pode começar a contar apenas a partir do desligamento, ou seja, com a passagem para reserva, quando ficar demonstrado que o militar não teve acesso a informações claras ou foi impedido de exercer seu direito em tempo hábil por omissão da administração.

Importante destacar que essa flexibilização não é automática e depende da análise do caso concreto, especialmente da prova documental da falta de conhecimento prévio sobre o pagamento incorreto.


Conclusão

Se você é militar e acredita ter recebido valor inferior ao devido a título de auxílio-fardamento, é essencial buscar assistência jurídica qualificada. Um advogado especializado em direito militar poderá:

  • Avaliar a prescrição no seu caso específico;
  • Reunir as provas necessárias;
  • Formular pedido administrativo ou judicial para garantir o pagamento integral da verba indenizatória devida.

Esse direito, previsto em norma com força de lei, não pode ser restringido por regulamentos administrativos, e sua preservação contribui para a valorização e a proteção da carreira militar.

Dra Rosemeire Moreno

É cabível Habeas Corpus contra punição disciplinar?

Nos termos do art. 142, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Todavia, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria têm consolidado entendimento no sentido de que a vedação constitucional restringe-se ao mérito das sanções disciplinares, não alcançando, portanto, o exame de seus pressupostos de legalidade.

A interpretação sistemática da norma constitucional impõe a aplicação dos princípios gerais do Direito Penal ao âmbito do Direito Administrativo Sancionador, inclusive no que tange às infrações disciplinares militares. Como bem leciona o professor Luiz Flávio Gomes, todas as garantias penais — a exemplo da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade da norma penal mais gravosa, vedação ao bis in idem, proporcionalidade, e culpabilidade — devem ser observadas também nas instâncias disciplinares administrativas.

Dessa forma, embora o controle jurisdicional do mérito da punição disciplinar militar esteja obstado pela norma constitucional supramencionada, nada impede que o Poder Judiciário realize o controle de legalidade do ato administrativo sancionador, especialmente quanto à observância das garantias fundamentais do administrado. Nessa hipótese, revela-se cabível a impetração de habeas corpus, não para análise da conveniência ou oportunidade da punição imposta, mas para o controle da legalidade e legitimidade do ato que a originou.

O habeas corpus é remédio constitucional de natureza mandamental, destinado à proteção da liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder. Encontra-se expressamente previsto no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, que estabelece: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

São, portanto, requisitos essenciais à impetração do habeas corpus:

  1. a existência de violência ou coação real, ou a ameaça iminente de sua ocorrência;
  2. a identificação de um paciente determinado, ou seja, pessoa certa e individualizável;
  3. e a lesão ou ameaça de lesão ao direito de locomoção, que é assegurado constitucionalmente a qualquer pessoa, inclusive aos militares, nos termos do art. 5º, inciso XV, da CF/88.

O habeas corpus é ação de natureza gratuita, conforme dispõe o art. 5º, inciso LXXVII, da CF/88, o qual assegura: “são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.” Além disso, por força do §1º do mesmo artigo, os direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, sendo, ainda, considerados cláusulas pétreas nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição Federal, não podendo ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente à sua abolição.

Nesse contexto, suscita-se importante reflexão jurídica sobre a vedação expressa contida no art. 142, §2º, da CF/88, segundo a qual “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.” Tal dispositivo foi reproduzido pelo constituinte derivado em relação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, por força do art. 42, §1º, da Constituição.

Contudo, a interpretação sistemática e harmônica do texto constitucional não permite antinomias. A Constituição deve ser compreendida como um sistema coerente e integrado. Assim, os dispositivos do art. 5º, incisos LXVIII, LXI e XXXV, devem ser interpretados em consonância com o art. 142, §2º, de forma a preservar a força normativa da Constituição e garantir a unidade dos seus princípios.

Nesse sentido, o inciso LXI do art. 5º é categórico ao dispor que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” Esse dispositivo excepciona, de maneira pontual e justificada, as hipóteses em que a privação da liberdade pode ocorrer sem prévia ordem judicial, como nos casos de transgressão disciplinar militar e dos chamados crimes propriamente militares (como deserção e insubmissão), cujas formas de prisão estão reguladas pelo Código de Processo Penal Militar e pelos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

Assim, embora o mérito das punições disciplinares militares não seja suscetível de análise judicial por meio do habeas corpus, nada impede que se realize o controle de legalidade do ato disciplinar. A jurisprudência e a doutrina são firmes ao reconhecer que o Poder Judiciário pode verificar se houve observância dos princípios da legalidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e proporcionalidade, o que não implica em revisão do mérito administrativo, mas sim em controle de legitimidade do ato sancionador.

Portanto, o habeas corpus permanece cabível como instrumento processual apto a tutelar a liberdade de locomoção nos casos em que se configure constrangimento ilegal, ainda que a origem do ato seja uma punição disciplinar militar, desde que o impugnado seja o ato em si, por vício formal ou material, e não a conveniência ou oportunidade da sanção imposta.

Dra Rosemeire Moreno